segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O neto do Moleiro

Esta historia passou-se no Alto Alentejo, là para as bandas de Aviz.

O moleiro  tinha dois filhos ,  um filho  que era pescador na barragem proxima mas que raramente vinha visitar os pais , e uma filha  casada com um foncionario dos caminhos de ferro qua a levou  viver para o centro do ribatejo.

A filha  tinha dois filhos com 2 anos e meio de diferença um do outro.
Dois rapazes cheios de vida, sempre a mexer e a correr de um lado para o outro .
Um dia veio a doença  obrigou-a a ir fazer tratamentos num hospital da capital , todos os dias apanhava  o comboio com dois rapazes um  a cada mão e la iam para Lisboa .
Com o tempo e  a  doença em progressão , o cansaço dos tratamentos  e as  deslocações  quotidianas fez que a situação se  tornasse  impossivel .
A unica solução foi de  enviar o mais velho viver com os avós para o Alentejo.
Foi assim que veio o neto do moleiro parar a este moinho perdido.
-Pés descalços,  calções curtos , Cabelos castanhos claro, olhos verdes ,  alto mas magro como uma vara de  salgueiro.
De uma algibeira pendiam os elasticos vermelhos de uma  fisga.
Saltando de  pedra em pedra como um cabrito,  ia descendo a ribeira  assobiando  elegremente.
De tempos a tempos, parava e escutava  cantar  um  pàssaro  e tentava imitalo nas suas melodias .
Com sete  anos, vivia longe de  tudo,  o amigo  mais proximo encontrava-se a  3 quilométros, era o Antonio Joaquim o filho do boieiro da Foz.
Todos os dias se encontravam no caminho para a escola .
A conversa tinha sempre o mesmo tema,  o que  tinham feito no dia anterior depois da escola, os ninhos que tinham descoberto  o nascimento de  os passarinhos de tal  ninho e os 5 quilometros de distancia  que percorriam até a escola  passava-se assim todos os dias.

O moinho situava-se num flanco de um vale fechado em contrabaixo de  uma cascada de uma dezena de metros de altura.
 Era um moinho a rodizio horizontal , as 4  mos  estavam repartidas em tres niveis diferentes., raramente trabalhavam mais de tres ao mesmo tempo  mas moia sem descontinuar noite e dia , salvo as vezes nos dias de trovoada e   a ribeira tomava um largo caudal e a àgua subia  até au rodizio.

A volta do moinho, em completa  liberdade uma meia duzia de burros  iam e vinham  melancolicamente, a unica barreira que existia era a que os  impedia de vir  petiscar as flores da  avó .
Comiam a pouca erva que crescia  entre os blocos de  ardosia cinzenta  tipica desta régião de Aviz.
Do outro lado da ribeira uma horta  de terra de nateiro deixado pelas  cheias au longo dos anos.
Em canteiros  bem desenhados dignos dos mais belos  jardins a moda francesa  cresciam  os legumes , as hortaliças  as couves e todo  necessario para a alimentação quotidiana.
Au fundo da horta havia uma fonte, uma bacia esculpida na rocha pelos bisavôs  envolvida pelas avencas  de um verde fluorescente a folhas miudinhas. A àgua  limpida que  corria desta fonte, era stocada num reservatorio tambem esculpido na rocha , dele seguia um rego que  atravessava  a horta de uma ponta a outra , o que era bem pratico para regar, era só abrir o reservatorio e encaminhar a àgua  segundo a necessidade. 
A rega e a horta em general era a tarefa da avó, a lavoura  era  o avô  que a fazia  com um velho arado de ferro puxado  pelo « Gaitas » um velho burro que para mim era, preguiçoso e manhoso.
Este burro era um enigma para mim,  era certamente o mais velho de todos  para os trabalhos mais delicados era sempre ele que era o designado . era comico ouvir o avô a ralhar com ele
-Anda gaitas….. aie … tu vais ver se andas ou não andas …arre gaitas .
o burro mexia simplesmente as orelhas e la ia andando  devegarinho .
 Com os anos compreendi a cumplicidade que  existia entre o avô e esse burro , um ralhava e o outro não mexia sem ouvir ralhar , mas finalmente faziam uma equipa sem falha  um e outro sabiam exatamente  o que se devia fazer e que podiam contar um com o outro, e o que me parecia lentidão preguiça e manha era simplesmente  o caracter de meu avô, homem corajoso
que vivia sem pressas mas que fazia tudo e nunca estava atrazado para tarefa alguma , simplesmente  tudo era cordenado  como um ritual repetido ao longo de anos .
 Vivia a vida ,dia a dia calmamente sem procurar fortuna nem complicações, nenhum trabalho lhe fazia medo, sabia fazer tudo mas ao seu ritmo  tendo como so lema  a simplicidade e a honestidade  receber como  chegava e fazer como podia.
.

No  Alentejo não havia despertador levantava-se  cedo apenas os primeiros raios de luz apareciam e o avô estava de pé, antes que o sol mordesse a pele . Começava o dia  em alimentando a mó de grão , depois  abrir o cerco das cabras para que partam comer o magro alimento que se limitava a pontas de balsas ou alguma erva que crescia nas bordas da ribeira.
Depois vinham  as tarefas da horta e em fim de manhã  voltava novamente  os trabalhos do moinho, ensacar a farinha ou limpar o grão até a avó chamar para a mesa .
Depois do almoço por volta das 14 horas solares, fechava-se os contrabandos das janelas e fazia a sesta habitual , a tal  sesta tanto atribuida aos alentejanos como simbolo de  preguiça por esses que não conhecem o Alentejo  e a dureza do clima alentejano.

O neto do moleiro miudo vivo e irrequieto  aproveitava  as sestas dos avós para ir fazer a voltinha  dos campos de trigo ou de centeio, fazer umas armadilhas as perdizes  e eventualmente  capturar alguma que se tenha deixado surprender no laço da aboiz.
Foi numa dessas voltinhas que  encontrou uma armadilha com 6 jovens perdigotos, com uma alegria euforica  torceu o pescosso as 6 aves e pendurou-as a volta da cintura  como tinha visto fazer aos caçadores que vinham da Aldeia velha e partiu correndo mostrar ao avô a caçada que tinha feito e  orgulhosamente  narrou  o sucedido.
No dia seguinte a avó preparou as 6 perdizes  guizadas como fazia para os frangos, o almoço  foi  um regalo , o neto estava feliz e contava e recontava como tinha colocado a armadilha, refeição findada , no fundo da caçarola  restava outro tanto do que se consomiu.
O avô disse então:
-Parabens  ao caçador , que grande manjar , e ainda tens  refeição para mais duas ou trez vezes enquanto houver perdiz não se come mais nada..
O neto olhou a avó e disse-lhe  de um tom inquieto que para  a noite gostaria mais de  migas de batata .
O avô respondeu  antes mesmo que a avó diga uma so palavra .
-Rapaz , se não querias  comer  perdiz  a todas as refeições  porque as matastes as 6, duas só não chegavam?
Aprende uma coisa , a natureza dà tudo o que precisamos , basta colher , mas não estragues. Se não necessitas  não colhas , outro  serà feliz de colher o que tu não desperdiçastes  e serà tão feliz como tu  quando o fizer como tu estavas quando as capturastes essas 6 aves .
Não sejas egoista, para a proxima se  desejas consumir o que caçastes  matas . Senão, admiras e largas o animal agradecendo-lhe de te ter dado a felicidade de o teres tocado com as tuas mãos.
E para ter a certeza que compreendestes a lição  vais fazer a sesta  conosco a partir de hoje .

Os anos passaram , o avô jà não é deste mundo , o moinho a balsa ja deu conta dele, os campos de trigo e centeio desapareceram, o Antonio Joaquim nunca mais tive novidades dele.
A horta é um balseiro imenso ,  os carreiros  dificilmente se adevinham onde passavam outrora.

Mas a recordação desta época  ficaram marcados a jamais na minha memoria , os anos passaram e o  neto do moleiro não pode conter a làgrima que cresce no canto do olho ao pensar quanto era humilde e sàbio o avô, quanto  era rico de espirito e de bom senso....
Quanta importancia dava a coisas que nos parecem   hoje sem valor.
Quanto era justo para com tudo o que o rodeava.
Quanto desejo ser avô por minha vez  e poder legar tal riqueza.

 Trengo

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